
lendo o livro “manual de limpeza de um monge budista” foi que aprendi que nos templos a poeira não se acumula por mais de 24 horas.
é necessário um movimento regular que visualiza e age diante o ciclo sutil de transformação diária: em que organização e bagunça coexistem a todo tempo, afinal, mesmo enquanto estamos tirando poeira, ela se acumula.
não tem começo, nem meio, nem fim
andei pensando sobre a forma como somos introduzidos à manutenção dos espaços – e sempre ao falar dos espaços, estou me referindo aos internos e externos.
como se fosse preciso esperar o caos, ou pelo menos um pouco dele, pra que tomemos uma providência. um grande desgaste – dentro ou fora, para que solicitemos algum reparo.
como os monges, não é preciso esperar a bagunça para organizar.
esse movimento regular de manter a ordem de forma contínua nos ajuda a acompanhar o caos que também está constantemente acontecendo.
quando o extremo se manifesta algo está em desequilíbrio.
(normalmente esse algo é a gente)
o extremo da bagunça se dá porque procrastinamos a limpeza muitas vezes seguidas. enquanto o extremo da organização se dá possivelmente porque adquirimos algum nível de compulsão pela ordem.
ambos os casos tiram nosso foco do que realmente importa: aproveitar nossos espaços.
aceitar a conformação da organização e bagunça como um ciclo me trouxe a leveza de que esse é um projeto que vai estar sempre inacabado.
então também não precisamos esperar a organização completa pra fazer o que gostaríamos.
um ciclo não é uma fila
esse entendimento cria em nós uma ideia errônea de que a vida caminha, de forma isolada, para a morte, e posteriormente, com sorte, a morte caminhará para a vida, quando for a hora.
mas na realidade, desde que nascemos, estamos continuamente passando por processos de morte. e esses processos, físicos, mentais e espirituais, é que abrem espaço pra que vivam as novas versões de nós mesmos.
compreender o ciclo é, portanto, perceber a simultaneidade dos seus movimentos.
é entender o sistema que se forma pela relação de geração contínua entre seus elementos.
dançando com a ordem & o caos
a organização não é melhor nem pior que a bagunça, apenas diferente.
o lado que consideramos desconfortável numa equação dual não precisa ser visto como um elemento indesejável, afinal, se me recuso a conhecer the dark side of the moon, conheço apenas a metade.
perdemos o poder de integração do paradoxo quando insistimos em enxergar os opostos como elementos isolados, e tentamos anular um deles porque o outro é mais conveniente de ser experimentado – mesmo que momentaneamente.
o desconforto também se relativiza com o passar do tempo. uma escolha desconfortável agora pode gerar resultados confortáveis no futuro e vice-versa.
e portanto, para integrar os paradoxos é preciso apenas reconhecer a natureza inseparável dos opostos, e os elementos da dualidade como faces opostas de uma mesma moeda, sofrendo variações contínuas de acordo com contexto e tempo.
experimentar gera outras experiências
aceitar que o aprendizado verdadeiro só é possível através de uma experiência completa, e portanto dual, nos ajuda a desejar o desconforto e romper as comodidades da inação.
paradoxos não são ilógicos
se analisamos somente isso OU aquilo separadamente, perdemos a chance de analisar o sistema como um todo.
se isso E aquilo fazem parte de um sistema único, de certa forma, eles podem ser vistos como sendo a mesma coisa, em condições opostas.
e por isso, se você fecha a porta pra um, nenhum dos dois entra.
assim como a água é uma substância que se transforma em neblina ou geleira a depender das condições em que se encontra, caos e ordem são estados de arranjamento que também sofrem alterações em conformidade com o contexto.
(é um exercício e tanto definir um título para a escala dos opostos.
assim como caos & ordem podem ser definidos como estados extremos numa escala de arranjamento, tristeza & alegria de contentamento, dúvida & certeza de convicção…)
seja o oposto que for, a busca pelo estado neutro facilita a adequação e fluidez, já que seus extremos podem resultar em estados sólidos e rígidos ou voláteis e frágeis.
a dualidade dentro da dualidade
dentro da ordem também existe o caos.
se você considera a bagunça ruim e a organização boa, te pergunto:
como sua bagunça te beneficia? como a organização te atrapalha?
como isso muda conforme o tempo passa?
(esse exercício funciona pra qualquer paradoxo)
o benefício da dúvida
se dentro daquilo que é belo coexiste o bonito e o feio, e dentro do feio: bonito e feio, a interpretação fica a nosso critério.
no entanto, o copo meio cheio não te mata de sede, por isso o cérebro insiste em focar no copo meio vazio.
um mecanismo de sobrevivência que não se enquadra nos privilégios modernos, mas continua nos forçando a ter foco e memórias mais nítidas quando se trata de situações difíceis.
por isso desejar o desconforto educa a nossa mente primitiva frente a desafios saudáveis que são absolutamente necessários pra nossa evolução.
por isso há de querer a experiência completa: com coragem & medo.
ciente que a paisagem é sempre um lado da estrada por vez, mas os dois existem ao mesmo tempo.
ciente que podemos escolher como, e pra onde olhar.
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